28 de setembro de 2011

Cronemberg: A History of Violence




“Bons cineastas situam-se confortavelmente nos gêneros que adotam. Os grandes, apenas, os redefinem. David Cronemberg o fez com o terror, com o filme fantástico”.
Inácio Araujo

Grandes cineastas como John Ford, Martin Scorcese, Alfred Hitchcock, Howard Hawks e Francis Coppola (entre tantos outros) tinham e têm em comum, maneiras específicas de filmar, temas recorrentes, obsessões, visões de mundo; todos esses aspectos em conjunto ou um, dois em particular, estão presentes nas obras desses diretores.
           
Por essa razão, seus filmes são, quase sempre, avaliados pelo conjunto, pela temática, pela maneira de filmar, mesmo quando produziram obras ‘menores’ (Tucker, de Coppola ou Marnie de Hitchcock, por exemplo).

Isso tende a explicar por que filmes considerados ‘menores’ no lançamento são, muitas vezes, reavaliados após um certo período de tempo. É o caso de Duel de Spielberg um telefilme pouco valorizado à época e hoje considerado fundamental para entender as obras seguintes do diretor, entre elas Jaws – Tubarão; é o caso, ainda, de Dahlia Negra de Brian De Palma, uma pequena e recente obra prima do diretor de Vestida Para Matar.
             
David Cronemberg está, certamente, nesse time dos grandes diretores. Seus filmes devem ser analisados  à luz de sua obra, seus temas recorrentes como a transformação dos corpos, a humanidade e suas fronteiras, o delírio as frequentes dualidades presentes em seus filmes: imaginação-realidade, corpo-mente, real-irreal, além dos temas próprios do diretor como deslocamento especial ou temporal de personagens, inversão de sentidos ou significados e uma das marcas exteriores mais frequentemente associadas a Cronemberg, a forma bizarra e original  de mostrar cenas violentas (entre o repugnante em Fly e Dead Ringers e o explícito em Crash, A History of Violence e Eastern Promisses).
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Em seus filmes de maior visibilidade (Fly, 86; Dead Ringers, 88; Crash, 96, Existenz e os mais antigos e autorais Videodrome e Scanners), Cronemberg trabalha, de maneira mais ou menos marcante, temas que abordam o trans-humano,  o delirio, o universo kafkiano.

A frase que acompanha The Fly é bastante ilustrativa: Once it was human even as you and I.

Em nenhum desses filmes – aí incluido A History of Violence, Cronemberg trabalha apenas com a idéia de entrelaçamento de dualidades. Em Existenz, por exemplo, há conflitos importantes entre o ‘real’ e o imaginário e internamente em cada uma dessas instâncias; em The Fly, a transformação é um processo de conflitos tanto no lado animal (a força, a energia) quanto do lado humano que se perde (o amor, os amigos).

A History of Violence não é uma simples filmagem de dicotomias ou dualidades que culmina na saga de um justiceiro. O início do filme, que traz embutida a idéia de - é tão perfeito que não pode ser real, denuncia o que serão essas dicotomias ou dualidades. Com um cenário próximo de pinturas hiper realistas (a citação parece muito próxima de Edward Hopper com suas varandas e cadeiras estrategicamente espalhadas), a primeira cena indica uma típica cena ‘road movie’ americano, mas, ao mesmo tempo, nem tão típica assim, nem tão americana assim.

O cenário parece próximo do que conhecemos dos road movies, mas o carro em frente ao Motel-Bar sugere que estamos num universo algo diferente: o carro é novo, está limpo, os bancos são brancos reluzentes – ao invés do típico vermelho, ao invés do carro velho e sujo.

A ‘limpeza’ aparente contrasta com o cenário sujo e, veremos na parte de dentro do Motel-Bar, os mortos e seus corpos sujos. O tiro na menina encerra de maneira violenta a cena de abertura, mostrando que os dois personagens que estavam à frente do Motel-Bar não pertencem ao lado magnânimo da história.

Toda a primeira parte do filme será ‘permeada’ pelo clima dessa primeira cena. A família dos Stall (Tom incluído) parece sugerir que estamos diante de uma típica família americana. De que época, no entanto? Do imaginário da década de 50? Assim como o carro na primeira cena indicava algo deslocado, ‘fake’, na família Stall há algo estranho. Todos fazem as refeições juntos, todos se respeitam, não há conflitos aparentes.

Cronemberg produz, então, um tour de force. Ele aparenta inverter o personagem de Tom, com um episódico ato de violência (bandidos entram em seu bar a procura de um sujeito chamado Joey). Não há inversão, no entanto. Aqui, a contradição pertence a uma das dualidades (a boa, a da integração, a da paz familiar e comunitária). Tom reage, não como Joey…mas como o sujeito integrado na comunidade (Tom, torna-se, então, o herói americano, mas não por seu pertencimento do mundo dos bandidos, enquanto Joey….mas por exercer seu poder de ser violento enquanto cidadão ‘normal’).

Nada menos dicotômico, nada mais surpreendente.  Muito embora, a violência explícita esteja espalhada pelo filme (na cena inicial, no bar, no confronto final com os bandidos), é na caracterização da própria comunidade e da família (onde impera a paz) que vamos encontrar a violência.

Tom não é movido por vingança (não a típica vingança dos justiceiros americanos que foram presos, que tiveram a família morta, que foram presos injustamente). Tom é movido pela idéia de restaurar a paz (dentro de seu mundo, que não existe). Tom NÃO é um justiceiro.

Em Fly, o once it was human even as you and I, é marcado pela transformação externa (do humano para o animal); em Videodrome, novamente, a transformação ocorre por uma incorporação de objetos ao corpo, transformando-o num terceiro. Em A History of Violence, seguindo (e rompendo) a tradição Cronemberguiana da transformação, nada é aparente. A transformação aqui parece mais conformista. Saímos de um cenário ‘falso-estranho’ para um mundo real de sentimentos, emoções e violências onde os personagens perdem em arrogância e ganham em humanidade.

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