Agora em maio fez 50 anos que o Pagador de
Promessas, dirigido por Anselmo Duarte, ganhou a Palma de Ouro em
Cannes.
O filme conta a história do lavrador baiano Zé
do burro (Leonardo Villar). Seu burro estava muito doente e Zé é aconselhado a
fazer uma promessa para Iansã num local de candombé. O burro sara. Então Zé se
lembra que Iansã é Santa Bárbara, e decide pagar a promessa: carrega uma cruz
“tão pesada quanto a de Cristo” até a igreja de Santa Bárbara na capital.
Cumprir a promessa significava levar a cruz até
o interior da igreja da padroeira, mas o padre Olavo (Dionísio Azevedo) se
recusa a acolher uma promessa feita “num local de feitiçaria” e proíbe Zé de
entrar na igreja com a cruz. Mas para Zé Iansã
e e Santa Bárbara são a mesma pessoa e não há por quê não entrar.
Praticamente toda a ação se dá nas escadarias
que sobem da rua até igreja, ligando simbolicamente o lugar do povo ao lugar do
poder. O povo vem da rua para subir a escadaria. Apenas o padre desce da igreja
para a escadaria. O longo declive criado pela escadaria dá o forte sentido de
desequilíbrio ao duelo e permite ao diretor jogar com os com planos à medida em
que o conflito evolui. Os diálogos de Zé com o padre são visualmente atirados
para cima ou para baixo marcando os volteios do combate.
Zé do burro era uma pessoa do povo presa ao
dever individual da promessa. No embate com a doutrina da Igreja esta posição
evolui: ele é levado a defender a sua
maneira de interpretar a relação de um homem com a religião. Sem perceber
claramente, faz do seu ato uma demanda que passará a ser de muitos.
Zé do Burro é aquele que, mesmo sem saber,
arrisca a sua vida por um bem que, afinal, é reconhecido por muitos: querer
interpretar autonomamente a relação do homem com a religião sem a condução por
outros.
Zé é morto pela polícia. O final do filme
mostra como o povo preserva o seu gesto e o faz evoluir: seu corpo é carregado
sobre a cruz para dentro da igreja. É o corpo de um homem que se dizia
católico, que jurou para Iansã, mas procurou Santa Bárbara. Ele é carregado por
mães de santo e capoeiristas para dentro
de uma igreja católica. Tudo se preserva, mas algo mudou.
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