27 de abril de 2012

MELANCHOLIA

























AULA: Melancholia
CURSO: As Faces do Mal


PRIMEIRA ANÁLISE  ::  SOBRE A NOIVA E SOBRE A MELANCOLIA
A primeira parte do filme é toda baseada no arquétipo clássico da noiva. Em uma primeira camada, a Noiva representa defloração e a posse da mercadoria "fêmea" - ou seja, trata-se da aliança entre subjetividade, tribos e clãs. No filme, a noiva está exatamente no momento de travessia, lembrando que o casamento foi, por muito tempo, o ritual de iniciação da vida adulta - de menina a mulher. E essa figura também tem conexão com o título do filme. Em diversas representações medievais, a Melancolia foi representada na figura de uma noiva, os braços amorosos dos quais nunca será possível escapar. Ou seja, é uma figura que pode ser dúbia porque tanto representa a vida [defloração] quanto a face negra da Melancolia. Negra porque o conceito original de Melancolia, de acordo com os Hipócrates, significa "aquele que possui a bilis negra". Resumindo, a representação da noiva não é neutra e carrega muitas significações. 



SOBRE A MELANCOLIA  :: NÓ BORROMEANO e RSI



Segundo Lacan, essa é a lógica psicológica na qual operam os indivíduos. “Normalmente”, o humano confere significação àquilo que é Real através do Imaginário - ou seja, reveste o que não compreende inteiramente com o Imaginário. Nessa dinâmica, o lugar do melancólico é apontar o esvaziamento do sujeito quando este não possui o imaginário. O melancólico traz o escárnio e a ironia, pois seu gozo é apontar o Real. Obviamente, tudo isso tem grande relação com o discurso da Justine no final do filme ao questionar Claire sobre ouvir Beethoven e beber uma taça de vinho para receber o fim do mundo.

Na visão de Freud, ao longo do crescimento o indivíduo se depara com a falta / a castração. E para conseguir suportá-la e continuar vivendo na saúde, esse vazio é preenchido pela Cultura.
Luto é quando há a perda de um objeto que possuía a sombra fálica [alguma importância]. Normalmente, a saída do Luto se dá por meio da assimilação identificatória de uma característica/traço do objeto [introjeção] - “tudo que você é vem por meio da dor”. Claro que esse processo é inconsciente.

Toda a estrutura fílmica é montada sobre esse processo de luto e melancolia.





PRIMEIRA ANÁLISE  ::  A SEQUÊNCIA INICIAL [A LIMOUSINE]
A limousine que tenta fazer curvas é a primeira crítica estabelecida pelo diretor: a máquina que está tentando impor um caminho está para um ideal [de felicidade] que está sendo colocado em um contexto [humano] no qual não pode caber. É uma síntese da posição do Lars sobre o casamento e a felicidade como ideal do Contemporâneo,  tema esse que figura como uma das problemáticas mais trabalhadas na obra do diretor.

O campo de golf representa a natureza domesticada, a mediação entre a natureza selvagem e a cultura. E é nesse limiar em que o Lars vai filmar o final do mundo.
Toda crítica do filme se estabelece sobre o seguinte eixo: Casamento-Máquina-Publicidade-Felicidade.






ANÁLISE DOS PERSONAGENS.

_Sobre a Justine
Sendo Justine a melancólica central, não é irônica sua profissão ser publicitária: Justine é aquela que constrói o imaginário mas que, no fundo, não consegue monta-lo para si mesma.

A personagem começa o filme tentando viver o ideal, mas no meio da trama ela desmonta tudo. E o primeiro passo para esse desmonte é o discurso de sua mãe no casamento, uma mãe clínica do sujeito melancólico. No meio de todo esse processo ela pede ajuda para apenas uma pessoa: o pai, sujeito esse que claramente não ocupa o lugar da função paterna.

_Sobre o Pai
O discurso inicial do pai é o primeiro indício dessa ausência, ao passo que ele se refere a filha como “ a pequena menina", quase uma boneca, um brinquedo. Discurso esse coroado por "nunca te vi tão feliz", frase que pode ser lida como "você tem que ser feliz". Em seguida ele desloca sua fala para o próprio problema - é como se ele fosse aquele que só consegue ser pai quando consegue ver o outro [a figura do narcísico] . E isso fica ainda mais claro ao longo do desmonte do casamento, pois a Justine clama por ajuda, grita e até escreve, mas esse pai não lhe dá ouvidos. E, de certa forma, esse sujeito Justine não é visto por ninguém.

_Sobre a Mãe
A mãe é o auge da lucidez e da racionalidade técnica que desmontam o afeto instintivo clássico da figura materna. É a racionalidade que desmonta a construção imaginária do ritual-casamento. “Para que o casamento? Para que tudo isso?”. Ela desmonta o Imaginário, assim como o discurso do melancólico é exatamente a análise do Real sem a presença do Imaginário.



John: Gaby, I'm sorry to disturb you, but we're ready to cut the cake.

Gaby: [behind the bathroom door] When Justine took her first crap on the potty, I wasn't there. When she had her first sexual intercourse, I wasn't there. So give me a break, please, with all your fucking rituals.

A personagem da mãe é a clássica histérica, aquela que passa o tempo todo negando a perda - a ultra-falicização do objeto perdido. É como se, no fundo, ela acreditasse muito no casamento, mas tem muito ódio do fato do falo não se encontrar ali. “O falo é desenhado no desejo da mãe”. E a Justine exerce parte da função filiatoria ao puxar essa função.

_Sobre Claire
As duas filhas são personagens muito bem construídas e fica claro que, na visão do Lars, as irmãs são especulares, ou seja, caminham no inverso uma da outra. A Claire é a sensata, aquela que sabe conduzir o espetáculo. Ela também é melancólica, mas consegue “se proteger” e sobreviver através dos rituais. O problema é que o espetáculo não banca/significa o real por causa da irmã melancólica. Claire equilibra os pratos enquanto Justine os desconstrói. E essa relação é reafirmada no final do filme, quando a Claire tenta desenhar uma encenação mesmo em frente a morte.

John, o marido da Claire, é a representação do sujeito moderno cientificista, covarde e [mais um] pai falido - um completo idiota, na visão do Lars. Ao longo da obrado diretor, a ciência é frequentemente representada como algo falido, incompleto e patético.

Remontando a estrutura familiar: o pai é ausente, a mãe é a falência e a irmã é a tentativa de sutura. Justine é o próprio desmascaramento desse desenho, uma vez que o melancólico muitas vezes tem esse papel de apontar as verdades.

O DIÁLOGO-TESE DO FILME//



Justine: The earth is evil. We don't need to grieve for it.
Claire: What?
Justine: Nobody will miss it.
Claire: But where would Leo grow?
Justine: All I know is, life on earth is evil.
Claire: Then maybe life somewhere else.
Justine: But there isn't.
Claire: How do you know?
Justine: Because I know things.

Em Melancolia, a tese de Lars Von Trier afirma que a natureza, a Terra e a natureza humana são más. A vida é má e, portanto, deve acabar. E os melancólicos já compreenderam isso. E ele joga com essa visão mostrando que a personagem tida como a mais “sensata” [Claire] é a que se comporta como uma criança frente aos acontecimentos. Esse papel do melancólico também tem uma relação direta com o universo particular do autor que, segundo entrevistas, afirma que fez esse filme para sair da depressão.

Há uma crítica severa do Lars à fé quase irracional na ciência e aos discursos criados pelo humano para dar significação ao Real. Metafísico ou não, trata-se de um discurso satânico. E, talvez, carregado de uma visão religiosa e totalitária.

Se a vida humana é má e isso é tudo que nos resta, a representação da cabana na última cena talvez seja nossa única alternativa [ou nosso último consolo] na visão do autor: a Cultura.








REFERÊNCIAS E BIBLIOGRAFIA DE APOIO ::  
_Luto e Melancolia, Sigmund Freud;
_Gregory Crewdson - fotógrafo americano de estética muito semelhante ao filme.


[ficha completa]

4 comentários:

  1. Oi André, tudo bem? Gostei do texto..como a Malu disse, bem pesquisado. Então, só queria sugerir que você colocasse no começo do texto a sinopse do filme. Veja, nós que estudamos o filme...por vezes ficamos confusos; imagina os visitantes, já que o blog está aberto. Pense a respeito.]

    Marcos

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  2. Este comentário foi removido pelo autor.

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  3. Minha Crítica.
    http://meucantonomundo.com/o-lado-obscuro-do-planeta-melancholia/

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  4. Olá André, gostei da análise, porém, me parece que o estado depressivo do diretor influenciou muito a interpretação do final do filme. Fico em dúvida quando você coloca a Cultura representada no final do filme como a cabana como a única alternativa, afinal a cabana foi uma proposta da Claire que é quem conduz o espetáculo, que para mim é ela (o outro lado de Justine) que diante da constatação da finitude utiliza-se dos rituais para "proteger" à todos

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