19 de abril de 2012

O ANTICRISTO E O REINO DO CAOS

“Your thoughts distort reality…not the other way around.”


A primeira camada de significação do filme atlvez seja a relação da racionalidade com a natureza humana. E outras questões igualmente complexas que dela nascem, como o sofrimento, a dor, o desespero e, obviamente, a morte. Nesse sentido, é impossível negar o contexto psicanalítico. E claro que colocar um psicólogo como personagem que sofre as últimas consequências de seus próprios exercícios e teorias não é mera coincidência.

Tudo isso é amarrado pela questão que, na minha opinião, é o centro da obra do Lars:  o indivíduo e suas inúmeras camadas de significação, seus limites, suas intepretações de si mesmo. E, acima de tudo, o indivíduo e a gênese do Mal. Claro que a natureza malévola dos seres humanos é um tema central da obra do Lars, mas acredito que Anticristo seja o filme onde isso não só é mostrado incessantemente, como em Dogville, como é vivido em diversas camadas. Ao contrário da Grace [Dogville], aqui a protagonista tem o Mal dentro de si. Entramos em contato com essas facetas conforme o argumento se desenrola e a “gradação” de seus medos não poderia ser mais simbólica da gênese do mal no argumento do filme [e talvez da obra do Lars]: Nature < Satan < Me. Mas o interessante é que ele não se limita à perspectiva “Nature is Satan’s church”. 

O contexto religioso é uma alegoria muto eficiente, visto que a mulher é vista como a encarnção do Mal, a corruptora do Éden, a causa de toda culpa cristã. Mas aqui estamos falando de uma releitura do pecado original, afinal trata-se de um Édem  de corpos mortos. Aqui, Adão e Eva tiveram um filho que foi impelido a cometer o suicídio, talvez por não conseguir segurar a culpa dos pais mesmo antes de saber o que é culpa.


Talvez nesse ponto seja possível enxergar uma outra teoria: quem sabe as próprias mulheres não tenham consentido o Feminicídio [gynocide] porque elas próprias enxergam-se [ou enxergaram-se] como sacerdotisas dessa igreja de Satã. E é por isso que acho míope acusar o diretor de misogenia, uma vez que o argumento do filme talvez seja exatamente o contrário. Não acredito que o Lars goste de ver as mulheres sofrerem, mas sim as coloca como protagonistas maiores de todo o sofrimento e culpa que lhes foi depositado desde o nascimento da lógica cristã. E talvez ele não só entende como compartilha de tamanha carga.

Trata-se de um filme sobre o processo de Luto. Não necessariamente morte física, mas sim à perda. São inúmeros os lutos ao longo da trama: a perda da inocência, a perda da pureza, a perda da crença em si mesmo. Lutos esses que talvez nunca sejam concretizados pela personagem central. 











Visualmente o filme é pura poesia e o diretor mostra, mais um vez, como é habilidoso em criar metáforas visuais sofisticadas o suficiente para tornarem-se sensoriais. Ou seja, conseguir criar composições na tela que, mesmo que não sejam 100% compreendidas pela razão, consigam ser sentidas na pele.

O final permanece uma incógnita para mim. Tenho algumas interpretações possíveis, por exemplo o Adão que se vê sem saída nesse jardim de Evas. Mas ainda são muito embrionárias para afirma-las com mais convicção. Apesar de ser muito mais metafísico do que ele gosta de assumir, minha única certeza é que o Lars não é integrado, mas muito apocalíptico. “Chaos reigns”.

Um comentário:

  1. Belo artigo!

    A criança cai da janela. Ela é muito pequena para ter consciência do que é um suicídio. Enquanto a criança sobe na beira da janela de onde cairá, a mãe apenas a observa enquanto faz amor. Não ficou claro que a mãe não quis impedir o filho de cair? O que será que esta omissão da mãe significa?

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